Salvador, 9 de Julho de 2022
Nós, mulheres negras e indígenas, das Regiões Nordeste e Amazônia do Brasil, reunidas no dia 9 de Julho de 2022, na cidade de Salvador (Ba), durante o Encontro de Mulheres Negras Nordeste-Amazônia: Qual o nosso Projeto de Nação?, organizado pelo Odara – Instituto da Mulher Negra, destacamos nesta carta nossos pontos inegociáveis na disputa de poder na sociedade e Estado brasileiro, rumo à construção de uma nação sem racismo, sexismo, violências e pelo Bem Viver.
Durante três dias estivemos reunidas discutindo os diversos aspectos e noções de acesso a direitos, poder e Bem Viver, pelas cosmopercepções dos povos pretos em diálogo com os povos indígenas, a partir das perspectivas, experiências e saberes de mulheres que revelam a pluralidade cultural, geracional, territorial e de sexualidade, das mulheres e dos povos negros e indígenas no Brasil. Há de se destacar que este é um encontro de mulheres negras, que convidaram companheiras indígenas mulheres, para o diálogo e renovação da Aliança de Parentesco Afro-Indígena, pactuada entre estas irmãs em julho de 2004, durante a 1ª Conferência Nacional de Políticas para as Mulheres.
Fica consensuado entre nós que o acesso ao Poder diz respeito à garantia de condições de autodeterminação coletiva, e autonomia cultural, econômica, política, tecnológica e territorial. Bem como, destacamos que o exercício do poder coletivo deve eliminar as práticas coloniais sexistas patriarcais e binárias de controle e violência contra nossos corpos, em nossas diversidades étnicas, territoriais, etárias, de gênero e sexualidade.
Acreditamos no Bem Viver e na ancestralidade como a cosmologia que nos orienta na constituição de um projeto de nação e sociedade plurirracial, pluriétnica, de respeito e igualdade entre os povos. Nesta perspectiva, Bem Viver para nós é o equilíbrio, harmonia e simbiose entre os seres humanos e a natureza. Para as Indígenas Mulheres somos corpo-território: mulheres terra, mulheres água, mulheres biomas, mulheres espiritualidade, mulheres árvores, mulheres raízes, mulheres sementes e não somente mulheres. A compreensão das parentas sobre Bem Viver, e a complementaridade entre corpo, espírito, direitos e territórios, pode ser melhor compreendida no Documento Final da 1ª Marcha das Mulheres Indígenas – “Território: Nosso Corpo, Nosso Espírito”, realizada em agosto de 2019, em Brasília.
A cosmopercepção indígena se assemelha com a cosmopercepção preta, afrodiaspórica, quilombola e quilombista, expressa historicamente em documentos construídos pelos movimentos negros, tais quais as elaborações de Beatriz Nascimento, sobre Quilombo; de Abdias Nascimento, sobre Quilombismo; referências na construção da Carta da Marcha das Mulheres Negras contra o Racismo, a Violência e Pelo Bem Viver, realizada no dia 18 de novembro de 2015, em Brasília; documento este que melhor e de maneira mais completa representa as concepções e agendas contemporâneas dos Movimentos de Mulheres Negras no Brasil.
O Bem Viver é o paradigma da construção de futuro possível, construído no ontem e no agora, fortalecido a partir da aliança entre povos negros e indígenas, que propõem a dissolução do Estado brasileiro, a partir de um novo marco civilizatório, onde toda diversidade da sociedade brasileira será contemplada.
Reconhecemos a importância, preparo e disposição política das ativistas negras e indígenas para ocupação dos espaços eletivos estatais, porém, destacamos que a eleição de mulheres negras e indígenas se caracteriza como estratégia de incidência política imediata. O crescimento dessas nossas representantes nos cargos eletivos da administração pública não garantirá a transformação concreta da realidade de violências e opressões contra nossos povos, visto que o Estado brasileiro foi constituído e permanece estruturado a partir do genocídio destes povos.
Reafirmamos nosso compromisso de apoio e retaguarda para as candidatas e parlamentares negras e indígenas, sobretudo no que tange a garantia de sua segurança, sustentabilidade e o enfrentamento às violências políticas sofridas nas relações intra-partidárias e em outros espaços de incidência. Demarcarmos que a representatividade política eleitoral para negras e indígenas precisa ser coletivamente dialogada e construída com mulheres comprometidas com a organização social política coletiva das Mulheres Negras e Indígenas Mulheres, que defendam nossas agendas como prioritárias em suas atuações político-partidárias.
Nesta perspectiva, apresentamos nossas questões inegociáveis:
- Cuidado com as alianças e exercício contínuo da solidariedade entre Mulheres Negras e Indígenas Mulheres;
- Direito à vida digna e segura, onde se possa viver, ao invés de sobreviver; tornando comum e acessíveis as práticas integrais de saúde, autocuidado e cuidado coletivo para a sociedade como um todo;
- Economia, educação, cultura e ciência devem caminhar lado a lado com a sociobiodiversidade. Ou seja, os interesses econômicos não podem sobrepor o cuidado e a preservação da natureza;
- Garantia de direitos sexuais, direitos reprodutivos e justiça reprodutiva, com destaque ao direito ao aborto, para todas as pessoas, enfaticamente para meninas e mulheres negras, indígenas e população LGBTQIAP+;
- Direito à cidade e à moradia digna para todas pessoas;
- Direito à terra e território para todos os povos e comunidades tradicionais do Brasil, com destaque aos povos originários, quilombolas e religiosos de matriz africana, garantindo a preservação do meio ambiente e do sagrado ancestral;
- Direito à informação, à comunicação e à memória para os povos indígenas e negros;
- Defesa da agricultura familiar, soberania e segurança alimentar, tecnologias sociais agroecológicas e territórios produtivos para todos os povos e comunidades tradicionais, com destaque aos povos indígenas, quilombolas e religiosos de matriz africana;
Assinam esta carta as seguintes organizações negras, indígenas, e organizações antirracistas aliadas às lutas das mulheres negras e indígenas:
- Abayomi – Coletiva de Mulheres Negras na Paraíba
- Afronte! Nacional
- Ajagum Obínrìn – Organização de Mulheres Negras do Rio Grande do Norte
- Alagbara: Articulação de Mulheres Negras e Quilombolas do Tocantins
- Articulação de Mulheres Indígenas do Ceará (AMICE)
- Articulação de Mulheres Negras no Quilombo Engenho da Ponte
- Articulação de Negras Jovens Feministas (ANJF)
- Articulação de Organizações de Mulheres Negras Brasileiras (AMNB)
- Articulação Nacional das Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade (ANMIGA)
- Associação Cultural de Mulheres Negras (ACMUN/RS)
- Associação de Educação, Arte, Cultura e Agroecologia Sítio Ágata
- Associação Raimundo Ladislau – Amapa
- Auto Organização de Mulheres Negras Rejane Maria
- Casa da Mulher Catarina
- Central Regional Quilombola (CRQ)
- Centro de Atividades Culturais, Econômicas e Sociais (CACES)
- Centro de Estudos e Desefa do Negro do Pará (CEDENPA)
- Choupana São Lázaro de Mãe Preta – Território Quilombola de Abacatal
- Coletivo As Carolinas
- Coletivo de Entidades Negras (CONEN)
- Coletivo Juntas – Pará
- Coletivo de Mulheres Negras de Cáceres
- Coletivo Elza’s (Ananindeua/Pará)
- Coletivo Mulheres em Luta
- Coletivo Sapato Preto: LéSbicas Negras Amazônidas
- Comunidade Afro-Feminista Educativa e Colaborativa (RECOSEC)
- Conselho Indígena Tapajós Arapiuns (CITA)
- Coordenadoria Ecumênica de Serviço (CESE)
- Coordenação dos Povos Indígenas de Manaus e Entorno (COPIME)
- Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais e Quilombolas (CONAQ)
- Criola/RJ
- Desencarcera Sergipe
- Fórum de Mulheres Negras de Mato Grosso
- Fórum Nacional de Travestis e Transexuais Negras e Negros (FONATRANS)
- Fórum Paraibano de Juventude Negra (FOJUNE)
- Frente de Mulheres de Cajazeiras (Bahia)
- Frente Favela Brasil (Sergipe)
- Geledés Instituto da Mulher Negras
- Grupo de Mulheres do Alto das Pombas (GRUMAP)
- Grupo de Mulheres Lésbicas e Bissexuais Maria Quitéria – PB
- Grupo de Mulheres Negras Mãe Andresa
- Grupo de Mulheres Negras Malunga
- Ilê Axé Obá Oladeji – Ceará
- Ilera: Ancestralidade e Saúde
- Instituto AMMA Psique e Negritude
- Instituto Audiovisual Mulheres de Odun
- Instituto de Mulheres Negras de Mato Grosso – (IMUNE MT)
- Instituto de Mulheres Negras do Amapá (IMENA)
- Instituto Feminista Jarede Viana
- Instituto Negra do Ceará (Inegra)
- Instituto Quariterê (MT)
- Instituto da Mulher Negra do Piauí Ayabás
- IROHIN – Centro de Documentação, Comunicação e Memória Afro Brasileira
- Maloka Socialista
- Marcha da Negritude Unificada da Paraíba
- Movimento Cultural Ancestrais (Macapá/AP)
- Movimento de Mulheres Negras na Paraíba
- Movimento Feminino Sergipana Aúa Ananã
- Movimento Nacional de Luta pela Moradia – (MNLM)
- Movimento Negro Unificado – Sergipe (MNU/SE)
- Núcleo de Mulheres do Rosarinho
- Odara – Instituto da Mulher Negra
- Oorun Obirin: Instituta da Mulher Negra
- Organização de Mulheres Negras de Alagoas
- Periferia Ambulante – Sergipe
- Rede de Ciberativistas Negras- Núcleo Pará
- Rede de Matriz Africana (REMA)
- Rede de Mulheres Negras de Pernambuco
- Rede de Mulheres Negras do Ceará
- Rede de Mulheres Negras do Maranhão
- Rede de Mulheres Negras do Nordeste
- Rede de Mulheres Negras do Paraná
- Rede de Mulheres Negras do Piauí
- Rede de Mulheres Negras para Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (RedeSSAN)
- Rede das Mulheres de Terreiro de Pernambuco
- Rede de Mulheres Xukuru
- Rede Fulanas Negras da Amazônia (NAB)
- Rede Nacional de Lésbicas e Bissexuais Negras Feministas Autônomas – CANDACES BR
- Revista Afirmativa – Coletivo de Mídia Negra
- Terreiro Oyá Matamba
- Ubuntu – Coletivo Quilombola Paraense
- Uiala Mukaji Sociedade das Mulheres Negras de Pernambuco
- União de Mulheres Indígenas da Amazônia Brasileira (UMIAB/Roraima)