A sexagésima terceira sessão da Comissão sobre o Status da Mulher (CSW63) foi realizada na sede das Nações Unidas, em Nova York, de 11 a 22 de março de 2019. A CSW63 teve como temas prioritários sistema de proteção social, acesso a serviços públicos e infraestrutura sustentável para a igualdade de gênero e o empoderamento de mulheres e meninas.
Este ano uma das preocupações sinalizadas pelas representantes da sociedade civil mundial girou em torno do avanço dos governos conservadores que atuariam na CSW contra qualquer avanço na pauta dos direitos sexuais e direitos reprodutivos das mulheres. Nesta edição, o Brasil também ocupou a lista dos países que atuaria e faria alianças com demais governos contra os direitos das mulheres.
Pela sua participação nos anos anteriores a delegação oficial brasileira ficou conhecida na CSW pela flexibilização da posição a favor dos direitos das mulheres, pelo diálogo e articulação com representantes da sociedade civil e pela liderança no bloco Buenos Aires, composto por representantes governamentais de países da América Latina. O que não aconteceu na CSW63. A comitiva do governo brasileiro foi composta pela atual Ministra dos Direitos Humanos, da Mulher e da Família, Damares Alves e da secretária da Mulher, Tia Eron.
Poucos pronunciamentos foram realizados oficialmente pelxs representantes do governo. A participação da delegação do governo brasileiro foi considerada pelas ativistas brasileiras como inútil. ?As articulações feitas no Grupo Buenos Aires foram importantes para incidência nas negociações governamentais e documentos oficiais, diminuindo o impacto do posicionamento conservador da delegação brasileira. Nós brasileiras que estivemos lá, conseguimos fazer denúncias internacionais de retirada de direitos, criminalização dos movimentos e genocídio da população negra, que estão acontecendo no Brasil. ?, declarou Daniele Braz, do Grupo CurumimPE.
Sem muitas surpresa o Brasil manifestou solidariedade às decisões e linguagem apresentadas por representantes do governo dos Estados Unidos. Manteve seu silêncio em relação a assuntos polêmicos e tocados pelas representantes dos movimentos sociais, a exemplo, da descriminalização do aborto e pautas que refletiam sobre a autonomia das mulheres e seus corpos.
Painel ?A Situação das meninas e mulheres afrodescendentes?
No dia 14 de março, foi realizado o painel sobre a Situação de Mulheres e meninas Afrodescendentes?. O painel contou com a participação de Paola Yañez Inofuentes, da Bolívia e coordenadora da Red de Mujeres Afrolatinoamericanas, Afrocaribeñas y de la Diáspora e da militante negra brasileira, Valdecir Nascimento (OdaraAMNBFOPIR), que ao iniciar seu pronunciamento fez referência a memória de Marielle Franco, executada brutalmente, em março de 2018, no Rio de Janeiro. Na ocasião, Valdecir Nascimento acusou o governo brasileiro de mandantes do assassinato da vereadora, pediu justiça e apoio dos organismos internacionais para acompanhar os casos de violação de direitos das mulheres e meninas negras no Brasil. ?Hoje é um dia muito simbólico para nós, mulheres negras brasileiras. Hoje completa um ano do assassinato da vereadora Marielle Franco. Precisamos que os verdadeiros culpados sejam levados à justiça. Nós não temos dúvida do envolvimento do atual presidente do Brasil no crime.?, disse Nascimento.
Em seguida a militante apresentou a situação das meninas e mulheres negras potencializados pelo impacto da interssecção do racismo e sexismo com outras formas de discriminação. ? Nós somos vítimas de uma lógica escravocrata e desumanizadora. Somos as que mais morrem em decorrência da mortalidade materna, aborto ilegal e inseguro. Estamos falando da morte de adolescentes, jovens e mulheres que perdem sua vida pela negação do acesso aos direitos básicos de saúde. Nós também somos as que mais morrem vitimadas pelo feminicídio no Brasil. Existe uma política de morte que atinge diretamente a vida das meninas e mulheres negras. Estamos falando das mortes físicas e simbólicas protagonizadas pelo Estado brasileiro.?, concluiu Valdecir Nascimento.
Durante seu discurso, Paola Yañez enfatizou (Red de Mujeres Afro) que, apesar dos progressos que os países da América Latina e do Caribe fizeram, a desigualdade entre os grupos sociais continua sendo uma característica distintiva da região, cuja matriz tem entre seus componentes estruturais a condição étnico-racial e de gênero.
Diálogo sobre a visível invisibilidade das mulheres africanas globais
Já no dia 16 de março às representantes da Red de Mujeres Afrolatinoamericanas, Afrocaribeñas y de la Diáspora organizaram atividade paralela na CSW63 para discutir sobre a visível invisibilidade das mulheres africanas no contexto global. O diálogo contou com a participação da coordenadora geral da Red, Paola Yañez Inofuentes e das coordenadoras das regiões Centro América, Lídice Chavez (Nicaraguá), do Brasil Valdecir Nascimento (Bahia) e da Diáspora Yvette Modestin (Boston).
Na ocasião, a feminista negra baiana, Valdecir Nascimento, reafirmou que a invisibilidade sobre a situação das afrodescendentes e africanas em relação aos cenários de violência, de falta de direitos, de morte e de exclusão revela o tamanho da disputa que teremos que enfrentar no mundo. ?Precisamos construir uma estratégia global entre nós.Temos muitas experiências, identidades e lutas para compartilhar. No Brasil, temos enfrentado diariamente a morte. Temos lutado para assegurar o direito à vida das mulheres negras. Não tem sido fácil nossa batalha diante de um governo ultra racista, conservador, fascista e pela ausência de recursos para apoiar as organizações de mulheres negras, mas acreditamos que a resistência e a construção de alianças globais é nossa melhor tática.?, declarou Nascimento.