Seguindo os passos de nossas Ancestrais, celebramos, no dia 18 de novembro de 2020, cinco anos em que marchamos em Brasília reivindicando direitos e emprestando nossos corpos para lutar a favor de uma sociedade justa e efetivamente democrática. Marchamos pela defesa de nossas vidas e contra o genocídio negro implementado pelo Estado brasileiro que nos mata cotidianamente, não apenas quando a polícia aperta o gatilho, mas também quando nos nega o direito à educação, saúde, moradia, terra, alimentação e trabalho.
A luta contra o processo de invisibilização, quando não apagamento e morte, das mulheres negras na sociedade brasileira continua exigindo um enfrentamento urgente e necessário, principalmente diante de um governo misógino e reacionário que despreza os valores democráticos, se opõe às minorias e que assumiu como instrumento de manutenção de poder a disseminação de ódio e mentiras para potencializar a segregação em um país que só preza pela diversidade nos eventos culturais, principalmente se forem aqueles que tenham a capacidade de aumentar as fortunas dos já ricos.
Ainda nos indigna o modo como o governo brasileiro reiteradamente nega e minimiza os impactos da pandemia em nossa sociedade. Atualmente são mais 166 mil mortes causadas pelo Novo Coronavírus no Brasil e, ainda assim, a declaração do presidente da república, no dia 10 de novembro, mais uma vez buscou minimizar os efeitos da crise sanitária, utilizando uma linguagem sexista e homofóbica, ao provocar/convocar os brasileiros a deixarem de “ser maricas”.
No Brasil, 63% das casas chefiadas por mulheres negras, com filhos de até 14 anos, estão abaixo da linha da pobreza, com renda per capita de aproximadamente R$ 420,00. A porcentagem é mais que o dobro de toda a média nacional de pessoas nesta condição, que somam 25% do total. A Pesquisa de Orçamentos Familiares do IBGE, mostrou que o grau de insegurança alimentar que vinha caindo nos últimos anos nos lares brasileiros teve um aumento de 37% e atinge mais lares chefiados por mulheres e negros. Os números revelam que, em 2018, mulheres negras receberam menos da metade do salário de homens brancos, o equivalente a 44,4% do total. Sempre nos perguntamos: como um país pode ser hostil/indiferente em relação a uma população que sempre lhe gerou riquezas, desde a exploração através do trabalho escravo, até o trabalho “livre” realizado por mulheres negras que são mal remuneradas?
Ao realizarmos a primeira Marcha das Mulheres Negras, em novembro de 2015, em Brasília, nós estávamos organizadas em várias frentes, Fóruns, Redes, Coletivos, Articulações
e diferentes grupos de mulheres negras oriundas de diversas partes do Brasil. Redesenhamos as regras de participação e representação política em nosso país, ao reconhecer o nosso acúmulo de experiência e demonstrar a nossa força e capacidade de mobilização política.
A Marcha das Mulheres Negras é um marco que está transformando a nossa história.
Ampliamos a nossa representatividade não apenas nas linhas de frente na luta por ocupar espaços no legislativo e executivo, mas também alargamos as nossas frentes de resistência por meio da construção e fortalecimento de mais redes de apoio que possam instrumentalizar cada vez mais mulheres negras a assumirem os espaços decisórios nos contextos em que estão inseridas.
O movimento crescente de mulheres negras, de várias gerações, que unidas têm contribuído em campos diversos para a ampliação das lutas, nos espaços físicos e/ou virtuais, mostra a capacidade de multiplicação dos movimentos em defesa das mulheres. A juventude negra, excepcionalmente, aponta para a renovação das práticas, discursos e frentes de ação, que massivamente têm alcançado mais pessoas para o enfrentamento das opressões. Não nos restam dúvidas sobre a importância determinante de seguir em frente, até mesmo porque, em nome da nossa sobrevivência, não há outro caminho senão por meio da luta.
Continuamos atuando em várias frentes, inclusive acabamos de protocolar uma carta endereçada a Luis Fux, exigindo que o Superior Tribunal Federal (STF) se pronuncie em relação ao racismo e à violência contra a mulher que estruturam a nossa sociedade. Continuamos exigindo a identificação e punição dos mandantes do crime que ceifou a vida de Marielle Franco, assim como demandamos do Estado políticas públicas que garantam a vida e não o extermínio da população negra.
Não podemos aceitar um processo dito democrático que exclui rotineiramente grupos minoritários dos espaços políticos. Eleger mulheres negras é um ato de reparação histórica pelo qual lutamos, no entendimento de que é impossível reverter o quadro de desigualdade de gênero e racial sem incluir mulheres negras nos espaços políticos.
A condição de miséria a que nós, mulheres negras, somos submetidas cotidianamente opera a favor da perpetuação das desigualdades. O apagamento de nossos corpos é promovido pelo Estado brasileiro, na medida em que somos negligenciadas enquanto sujeitas de direito, seja por meio na inoperância de políticas públicas já implementadas ou pela ausência delas. O aumento da violência contra mulher é um exemplo disso, que vitima, sobretudo mulheres negras.
Segundo dados do Atlas da Violência (2020), levantamento feito pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, a taxa de homicídios de mulheres negras, a cada 100 mil habitantes, é de 5,2. Já para mulheres não negras esse índice cai para 2,8. A taxa de homicídio
entre mulheres não negras teve uma queda de 11,7%, enquanto que entre mulheres negras o aumento foi de 12,4%. Como justificar, senão por meio de uma preservação intencional do racismo institucional, a inoperância das políticas públicas em relação às mulheres negras, quando as demais comemoram uma redução tão significativa no quadro de mortes?
O feminicídio é o braço forte do Estado agindo no extermínio das mulheres negras, numa evidente continuidade do genocídio de negros já em curso. No mês comemorativo dos cinco anos em que 100 mil mulheres marcharam em Brasília, repetir discursos em nome da igualdade e humanidade dos povos não é uma opção para nós. Exigimos reparação, exigimos que políticas públicas voltadas para a população negra sejam implementadas e executadas com eficiência, exigimos estratégias de enfrentamento ao racismo, sexísmo e lesbitransfobia. Exigimos que a população negra participe dos espaços decisórios por meio de cargos eletivos, mas também através da participação das representações de movimentos sociais e de entidades que têm, ao longo de anos, ocupado as frentes de batalha, através de pessoas que sacrificam suas próprias realizações em nome do bem comum, em nome do bem viver de seu povo.
Articulação de Organizações de Mulheres Negras Brasileiras (AMNB)
Sou negra,lesbica,professora e periferica e devemos marchar pelo nossos direitos sempre pelas nossos vidas q importam.