As representantes da Articulação são as únicas ativistas de movimento negro na comitiva; não há representações indígenas da sociedade civil brasileira no grupo
Ativistas da Articulação de Organizações de Mulheres Negras Brasileiras (AMNB) participam da Comissão da ONU sobre o Estatuto da Mulher (CSW), que acontece em Nova York, nos EUA, até o dia 17 de março. Alane Reis, Naiara Leite e Valdecir Nascimento compõem a comitiva oficial do Brasil na 67ª edição do evento, que neste ano aborda como tema prioritário a inovação, mudança tecnológica e educação na era digital para alcançar a igualdade de gênero e o empoderamento de todas as mulheres e meninas.
A CSW foi criada em 1946 com o objetivo de promover a igualdade de gênero e o empoderamento feminino. Anualmente, a Comissão avalia o progresso feito e cria programas de trabalho para avançar nos temas propostos. Nesta edição também acontece o acompanhamento da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável para o avanço da igualdade de gênero.
Procurando demarcar a agenda política das mulheres negras brasileiras, as representantes da AMNB têm utilizado os espaços de encontro da comitiva brasileira na CSW 67 para elucidar a necessidade de incluir as discussões sobre o racismo na temática da inovação e tecnologia, visto que, no Brasil, é a população negra, sobretudo as mulheres negras, que representa a parcela da população que mais sofre com as limitações no acesso à internet e outros meios digitais.
“A pandemia de Covid-19 foi um grande exemplo de como o racismo opera nesse sentido. Muita gente morreu por não ter acesso adequado à informações sobre a doença. Além disso, a educação e o mercado de trabalho passaram a depender ainda mais da internet e das telecomunicações”, explicou Alane Reis, coordenadora do Programa de Comunicação do Odara – Instituto da Mulher Negra, organização que compõem e representa a AMNB nesta CSW.
Além de refletir sobre o acesso à informação, as ativistas também vêm tensionando a discussão sobre a segurança de parlamentares e ativistas negras nos meios digitais e as possibilidades do uso da tecnologia para implementar políticas de segurança para estas ativistas. “A América Latina é um dos lugares mais perigosos para as defensoras de direitos humanos, e somos especialmente nós, ativistas negras na luta pela vida, por território e direitos direitos básicos, que somos as mais monitoradas pelo Estado”, pondera Naiara Leite, coordenadora executiva do Instituto Odara, e participante da Red de Mujeres Afrolatinaamericanas, Afrocaribenhas y de la Diáspora.
Valdecir Nascimento, fundadora do Instituto Odara e integrante da Coordenação da Rede de Mulheres Negras do Nordeste, destaca como a CSW 67 pode ser um espaço privilegiado para as discussões acerca da superação da crise de segurança alimentar no mundo. “Considerando que estamos vivendo no Brasil uma crise de fome, como, por exemplo, a tecnologia poderia nos auxiliar do ponto de vista da segurança alimentar e nutricional? Discutir tecnologia pressupõe discutir existência”, ponderou.
Naiara Leite questionou ainda a ausência de outras mulheres negras e indígenas – tanto da sociedade civil e dos movimentos feministas, quanto do parlamento e dos ministérios – na comitiva do Brasil na CSW para discutir a tecnologia a partir de suas perspectivas.
“Não tem como pensar tecnologia, feminismo e igualdade de gênero sem que as indígenas, negras e quilombolas do Brasil tenham uma representatividade maior nesse espaço”, afirmou Naiara, que completou dizendo que o papel da AMNB nesse contexto é provocar que a CSW 69, em 2025 – ano em que acontecerá a 2ª Marcha Nacional das Mulheres Negras – tenha como tema emergente “A situação das Mulheres Negras e Afrodescendentes no mundo”.