Marcha Global das Mulheres Negras reúne 300 mil mulheres de 40 países e consolida a maior articulação internacional a partir do Sul Global

A mobilização é uma articulação transnacional inédita em torno de uma agenda comum de enfrentamento ao racismo, ao colonialismo e ao patriarcado

Por Brenda Gomes

A Marcha das Mulheres Negras por Reparação e Bem Viver, que aconteceu em Brasília no dia 25 de novembro, entrou para a história como o maior ato público internacional já organizado por mulheres negras, reunindo participantes de 40 países e cinco continentes.

A mobilização construída a partir do Comitê Impulsor Global para a Marcha de Mulheres Negras consolidou uma articulação transnacional inédita, construída a partir do Sul Global, conectando África, Américas e Europa em torno de uma agenda comum de enfrentamento ao racismo, ao colonialismo e ao patriarcado. 

Valdecir Nascimento, idealizadora do Odara – Instituto da Mulher Negra e integrante da Red de Mujeres Negras Latinoamericanas y Caribeñas de la Diáspora, explica que, “dando continuidade e seguindo os passos da Marcha das Mulheres Negras contra o Racismo, a Violência e pelo Bem Viver, realizada também em Brasília, em 2015, a edição de 2025 ampliou de forma decisiva o alcance político do movimento e reposiciona as mulheres negras no centro dos debates políticos internacionais”.

A presença internacional expressiva reflete o caráter territorial da Marcha. Mulheres negras vindas de comunidades quilombolas, favelas, periferias urbanas, aldeias, ilhas caribenhas e países africanos compartilharam experiências atravessadas por violências distintas, mas organizadas por um mesmo sistema colonial, racista e patriarcal que opera em escala global.

Para a professora e pesquisadora Rhoda Arrindell, da Howard University (EUA), o contato com essas trajetórias foi um dos aspectos mais marcantes da experiência. “Eu leio, viajo, busco conhecer o mundo, mas as histórias individuais das mulheres aqui, das irmãs, das situações que elas vivem hoje, são algo que vou levar comigo por muitos anos. A ilha em que eu nasci foi colonizada pela Holanda e pela França. Toda a nossa educação ainda é feita a partir da visão da Europa. Por isso, minha luta é pela reparação. Marcho para resistir a um colonialismo que nunca acabou.”

A MARCHA EM NÚMEROS

A dimensão internacional da Marcha das Mulheres Negras por Reparação e Bem Viver se expressa de forma contundente também nos números. A maior presença veio da América Latina e do Caribe, com 11 países da América do Sul e 11 da América Central e Caribe, refletindo a força histórica das lutas negras nesses territórios.

O continente africano esteve representado por 11 países, reafirmando os laços políticos, históricos e simbólicos entre África e a diáspora. Também participaram mulheres de três países da América do Norte e quatro países da Europa, trazendo para o centro do debate as experiências do racismo vividas em potências econômicas globais. A participação de mulheres de todos os continentes, com exceção da Oceania, transformou a Marcha no maior encontro transnacional de mulheres negras das últimas décadas.

Na história recente, uma das maiores mobilizações de mulheres negras foi a, “Million Woman March”, realizada em 1997, na Filadélfia (EUA), que reuniu cerca de um milhão de pessoas em torno de pautas como direitos civis, educação, saúde e combate à pobreza. Apesar de sua importância histórica e de sua dimensão numérica, a marcha estadunidense teve caráter essencialmente nacional, com participação internacional apenas simbólica.

A experiência brasileira avança em outra direção. Em 2015, a Marcha das Mulheres Negras reuniu aproximadamente 100 mil mulheres em Brasília. Já em 2025, com 300 mil participantes, a mobilização assume explicitamente um caráter transnacional, articulando mulheres de dezenas de países em torno de uma agenda comum.

UM NOVO MUNDO É POSSÍVEL 

Além da grande mobilização nas ruas, no 25 de novembro, o encontro Diálogos Globais por Reparação e Bem Viver, realizados entre os dias 22 e 24 de novembro, realizados na Universidade de Brasília (UnB), aprofundaram a construção coletiva dessa agenda internacional. Para Naiara Leite, os encontros fortaleceram a dimensão estratégica da solidariedade entre mulheres negras.

“Estamos falando de uma luta transnacional, de construção de outro mundo, onde a vida, a dignidade, os direitos e os sonhos estejam no centro. Os Diálogos cumprem esse papel de fortalecer vínculos entre mulheres do Brasil, da diáspora e do continente africano. ”

UMA NOVA CARTOGRAFIA POLÍTICA 

Ao longo da Marcha e dos Diálogos Globais, emergiu uma cartografia política marcada pela diversidade de experiências. Mulheres africanas denunciaram o colonialismo contemporâneo, o extrativismo e os conflitos armados que seguem atravessando seus territórios. Mulheres caribenhas evidenciaram a permanência do domínio europeu em várias ilhas da região. Representantes da América Latina trouxeram ao centro do debate a violência policial, a justiça reprodutiva, os feminicídios e o extermínio da juventude negra. Já mulheres da diáspora na Europa e na América do Norte abordaram migração, racismo institucional e violência política.

Para a colombiana Márcia Santacruz, psicóloga e diretora da Amefricalab – Laboratorio de Innovación Política de Mujeres Afro, a força da Marcha está na capacidade das mulheres negras de transformar dor histórica em projeto político coletivo.

“Mulheres negras do Sul Global se levantam juntas para denunciar as violências e desigualdades que atravessam nossas vidas, mas também para afirmar que somos produtoras de pensamento, de soluções e caminhos possíveis. Marchamos para mostrar que há outros modos de viver. Apesar das diferenças territoriais, um consenso atravessa nossos debates: as soluções precisam ser construídas de forma articulada e global ”, afirmou Márcia. 

O processo coletivo da Marcha resultou na elaboração de documentos políticos internacionais, como a Carta Global das Mulheres Negras por Reparação e Bem Viver, e abriu caminho para uma nova forma de cooperação transnacional entre mulheres negras, capaz de tensionar e deslocar os eixos tradicionais do poder político internacional.

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